Sociedade em Movimento: a função pedagógica dos movimentos sociais
- por Mário Costa
- 14 de mar. de 2015
- 6 min de leitura

RESUMO
O presente artigo de opinião aborda os Movimentos Sociais no Brasil, partindo de uma análise histórica dos movimentos e manifestações populares, tomando por base o artigo de Maria Inês Paulista, leitura realizada para um dos créditos do programa de Mestrado em Ciências da Educação. A reflexão tem como ponto alto o novo ciclo dos movimentos sociais, cujo foco está nas questões éticas, advindas do enfraquecimento que os movimentos vivenciaram na década de noventa, o que exigiu uma nova militância, fundada nos valores democráticos de solidariedade e cooperação, premissas crescentes no início do novo milênio.
INTRODUÇÃO
Após a realização de uma leitura sugerida pelo programa de Mestrado em Ciências da Educação, algumas reflexões tomaram conta dos meus pensamentos e gostaria de compartilhá-las, considerando a relevância que conferi a elas – não às minhas reflexões particulares, mas às proposituras trazidas pelo texto em questão.
Créditos à autora, Maria Inês Paulista, doutora na área da História da Educação com ênfase em instituições escolares e mestra em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho, graduada em Serviço Social e Pedagogia, que conseguiu selecionar materiais riquíssimos de autores diversos, abordando-os de maneira direita e elucidativa, que eu comento nas próximas linhas pretendendo corroborar a reflexão inicial trazida por Paulista.
O artigo a que faço referência é intitulado “Os movimentos sociais como fonte de transformação na educação: possibilidades e realizações”, contudo, apesar do foco da indicação do texto se dar na área educacional – área do mestrado, minha reflexão se deu no campo social, que muito me afeiçoa. Sob um prisma histórico-conceitual, a autora trouxe à tona em minha mente pensante as matrizes que percebo nas dinâmicas sociais que têm se desenvolvido no seio de nossa sociedade.
SOCIEDADE EM MOVIMENTO: a função pedagógica dos movimentos sociais
As manifestações populares irromperam nas mídias nos últimos tempos e, por vezes, roubam nossa atenção nos noticiários, sobretudo quando seguidos de manifestações que implantam desordem e caos ao invés daquilo a que se propõe originalmente: recuperar algo não efetivado em prol das minorias. Tais problemas e contradições estão quase que implícitas, uma vez que os movimentos sociais são, via de regra, representados por um coletivo em prol de um bem material ou simbólico que, em suma, dificilmente é compreendido de modo homogêneo pelas pessoas em questão, o que implica conflito e contradição conceitual.
Se formos buscar definições para o este fenômeno encontraremos algumas, já que não há consenso para o conceito de movimentos sociais. O que não se pode negar, contudo, é seu caráter de transformação social, ou motor para ela, bem como a provocação que o mesmo induz a todo processo de mudança e, porque não, sua efetivação.
O que me causou certo espanto frente à leitura – não por não possuir a informação, mas por nunca haver refletido acerca dela, foi deparar-me com a realidade factual de que os integrantes dos variados movimentos sociais hoje existentes não são, necessariamente, aqueles excluídos socialmente, os marginalizados.
Endossando tal afirmação, seguem Wilson (1973) e Melucci (1976) que apontam que “[...] os agentes que iniciam o movimento social não são os marginalizados. Quando muito, estes poderão constituir, em determinadas circunstâncias e dentro de certas condições, uma base importante para a expansão e consolidação do movimento. Mas a liderança é constituída por indivíduos não periféricos, mas centrais”.
Fica evidenciada no texto compilado certa dose de incoerência, uma vez que, não fazendo parte da população diretamente interessada na mobilização, a liderança e iniciativa dos movimentos são efetivadas por indivíduos centrais, que se rebelam e mobilizam populações em prol da causa que julgam ser de todos.
Não haveria problema se essa indignação fosse reflexo fidedigno da necessidade social de privação da população excluída, entretanto, parece não haver uma conexão entre diretos e responsabilidades sociais, uma vez que conquistas advindas de determinadas militâncias parecem não serem incorporadas pela sociedade, tão somente pelos grupos que a reivindicaram.
Para caracterizar-se movimento social é necessário que o grupo esteja vinculado por uma identidade/identificação, que possua um projeto a ser desenvolvido/construído e que haja continuidade, pois não basta definir adversários e não articular-se em favor das mudanças necessárias à preservação da identidade e efetivação do projeto.
Obviamente que movimentos sociais se devem a contextos sociais e históricos distintos, e sua dinâmica por vezes parecerá contraditória.
No Brasil os movimentos sociais acontecem desde que os portugueses aqui chegaram, e as lutas se davam em prol dos operários, dos escravos, das terras e das carências que o povo excluído sofria. Parece que não avançamos muito, pois ainda hoje, quinhentos anos depois, permanecemos com promessas não cumpridas, mesmo frente a conquistas de movimentos e lutas sociais dos séculos XIX e XX.
Mesmo com o fortalecimento dos movimentos sociais na década de sessenta, os problemas de distribuição e democratização política ainda são realidade no país. De sessenta para cá os movimentos sociais se desdobraram, e militam em áreas que reivindicam diferentes propósitos, como a causa dos estudantes, dos negros, dos homossexuais, das mulheres e tantos outros.
As décadas de setenta e oitenta enfrentaram grandes lutas, e arrastaram grandes massas populares, contudo, o enfrentamento ao sistema político dominante custou a prisão, morte e cassação de direitos políticos a muitos, gerando grupos de guerrilhas e repressão. Mesmo nesse cenário de direitos limitados, o legado dos movimentos sociais foi a gênese de uma luta pelo direito à vida e pela integridade física, considerando a violação sofrida pelos militantes cerceados pelo governo militar.
Não obstante, o cenário viria a se obscurecer quando, nas entrelinhas das manifestações e agrupamentos, uma face não tão alva revelou-se, demonstrando que muitos engajados nas causas democráticas almejavam, na verdade, o acesso à sociedade de consumo. Ou seja, aquele idealismo apareceu, em parte, como uma maquiagem que pedia melhor condição de vida para que pudessem acessar os bens de consumo ofertados pelo mercado.
Agora a discussão se volta para a sobrevivência nos meios urbanos. Fortalecem-se os movimentos sindicalistas e as centrais sindicais, demonstrando um anseio por democratização, pela participação popular e por uma nova sociedade.
Oitenta foi a década rica do ponto de vista político-social, mas pobre em termos econômicos. O crescimento e o consumo não possibilitaram acesso aos bens fundamentais, gerando agora uma luta por direitos sociais básicos como moradia, transporte, saúde e educação. Desenfreado crescimento também implicou questões de ordem ambiental, oferecendo risco à própria sobrevivência do homem e do planeta, como o uso desmedido e o esgotamento das fontes naturais, sobretudo ar e água.
Um novo ciclo tem início e a pauta agora são as questões éticas, advindas do obscurecimento e enfraquecimento que os movimentos sociais vivenciaram na década de noventa. A não resolução dos problemas discutidos nas décadas anteriores não impediu que o foco dos movimentos sociais mudasse, mas agora a violência, a corrupção e os escândalos políticos trazem a discussão para o plano moral, e os novos movimentos centralizam sua atuação na revalorização da vida humana.
Justamente aqui minha reflexão se aprofunda, pois encontro eco para compreender os questionamentos que tenho sobre o “como chegamos até aqui?”. Sempre nos questionamos sobre os porquês da sociedade estar como está, das crianças não respeitarem os valores pátrios, seus pais e as regras de sadia convivência. Os porquês de termos tanta violência, um individualismo exacerbado e um consumismo frenético.
Não tomo essa reflexão como solução aos meus questionamentos, mas como parte do quebra-cabeça que todos os dias busco completar para que a minha vida faça sentido nessa selva de pedra, onde o cidadão se desvirtua cada dia mais, deixando de fazer parte da polis e tornando-se de modo permissivo, o cliente, consumidor de bens e serviços que, muita das vezes, sequer necessita.
Reivindicações que outrora se davam no campo coletivo agora se fazem individualmente, e emergem movimentos de reparação, para chamar a atenção da sociedade para os crimes contra a dignidade humana.
Hoje se fortalecem as ONGs e o Terceiro Setor como alternativas em âmbito regional e global, e uma nova dinâmica se apresenta aos movimentos sociais, exigindo novas composições e articulações. Agora o trabalho em redes e as agendas de trabalho precisam ser efetivados para superar as dificuldades que as lideranças possuem em se articular com a população, considerada a perda dos objetivos reivindicatórios.
Da luta por direitos à atuação em projetos sociais, a inicial consciência crítica deu lugar à participação em projetos sociais – às vezes “em troca de um trocado”. O militante converteu-se ativista organizador de usuários dos serviços sociais. Uma nova militância exige uma nova maneira de se tornar sujeito, e isso se dá pelos valores democráticos, que envolvem solidariedade e cooperação, premissas crescentes no início do novo milênio.
E a Educação? Proposta inicial do texto que comecei a ler... Ah! A Educação é um valioso – e talvez o único recurso para que se alcance a almejada mudança social, necessária a essa nova sociedade em crise. Crise ética, moral, social... Deve ser tomada como investimento prioritário, uma vez que se constitui esperança da humanidade por possibilitar às pessoas a adaptação em um mundo em contínua mudança, podendo ser, ao mesmo tempo, movimento e ordem, sistema e contestação.
REFERÊNCIA
PAULISTA, Maria Inês. Os movimentos sociais como fonte de transformação na educação: possibilidades e realizações.
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