Não fuja do fogo!
- por Mário Costa
- 26 de mar. de 2015
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2021

Relendo o texto extraído do livro de Rubem Alves “O amor que acende a Lua”, coloquei-me a refletir sobre minhas pretensões em relação à minha vida – presente e futura. Claro, sobre a minha vida porque é ela que me interessa e, somente ela, me é possível viver!
Por vezes me pego pensando nessa ou naquela pessoa, nessa ou naquela situação e, claro, nos impactos que pessoas e suas ações trazem para a minha vida. Resumindo, falo daquelas situações problema com as quais nos deparamos em nosso dia-a-dia e que muita das vezes nos tira o ânimo, a vontade, a alegria e chegam a desmontar nossos projetos.
Contudo, situações problema são uma coisa, pessoas problema são outra!
Uma máxima que trago comigo há algum tempo – mas ainda com dificuldade de implantá-la com afinco, é a que “ninguém nos faz algo sem que o tenhamos permitido”. Tal frase revela, em meu entendimento, uma verdade acerca do necessário autoconhecimento e daquela ação proativa que devemos ter frente a situações problema e, porque não dizer, a pessoas problema que atravessam conosco o caminho.
É aqui que entra o texto de Rubem Alves!
Segundo o autor, “Milho de pipoca que não passa pelo fogo, continua a ser milho para sempre.
Assim acontece com a gente.”
O maravilhoso e reflexivo texto me fez pensar sobre minhas ações e reações diante das situações que chegam até mim. O que faço com elas? Como reajo? O que elas produzem em mim?
Já que para mim “ninguém me faz algo sem que eu o tenha permitido”, parece simples solucionar o problema, bastando não permitir. Mas não é tão simples assim. Tal postura exige uma mudança de paradigmas, de mentalidade e, obviamente, de atitudes. Mudar atitudes não é nada simples, sobretudo quando cristalizamos algumas manias, alguns trejeitos que nos parece ser impossível vencer.
Resta-me o questionamento sobre o quanto me empenho nessa causa!
Grandes transformações exigem grande empenho, e elas só acontecem quando, como o milho de pipoca, passamos pelo fogo, donde podemos inferir que, quem não passa pelo fogo, não vivencia a mudança, podendo estar condenado a permanecer da mesma maneira a vida inteira.
Por mais que possa ser cômodo para muitos e alguns até afirmarem ser felizes como são, a mesmice ocasiona ao ser humano um embrutecimento de alma que leva a pessoa a não perceber que não está bom como está, e a achar que seu jeito de ser é o melhor jeito, fechando-se ao outro, ao mundo e, sem perceber, a si mesma.
É pelo fogo ou pelas situações e pessoas problema, que nos deparamos com experiências que nos desequilibram, que nos tiram da zona de conforto e mexem em nossas estruturas até então inquestionáveis. O fogo representa aquelas situações que nunca imaginamos sofrer e, assim como uma queimadura, se não tratada adequadamente, causam grande dor, deixando sequelas.
Segundo Rubem Alves o fogo pode ser de duas naturezas: externo e interno.
Para ele, o fogo de fora – externo, são as situações que nos acometem sem que a tenhamos produzido, mas que a sofremos por ter vínculo com aquilo que elas representam. Exemplos são as perdas que sofremos de um amor, uma pessoa querida, o emprego e outras tantas perdas que sofremos desde que nascemos.
Já o fogo de dentro – interno, são situações produzidas por nossa subjetividade, fruto de nossa estrutura biopsicossocial. Como exemplos podemos citar as emoções desgastantes como o pânico, o medo, a ansiedade, a depressão ou mesmo aqueles sofrimentos de causas desconhecidas, porém, que tomam conta de nós chegando a nos desestruturar.
Num primeiro momento, a alternativa mais óbvia é: apague o fogo! Se o fogo é a causa motriz do sofrimento, seja ele externo ou interno, há de se apagá-lo como condição de cessação do sofrimento. Contudo, ao apagar o fogo, sem nos darmos conta, estamos exterminando as possibilidades de transformação que o fogo traz consigo.
Rubem Alves diz imaginar que “[...] a pobre pipoca, dentro da panela cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma ela não pode imaginar um destino diferente para si.”
Quantas vezes nos vemos como a pobre pipoca: condenada à morte porque o fogo chegou para nós. Pior ainda é quando quem acendeu o fogo é conhecido, pois remoemos contra ele a famigerada culpa de nos ter lançado tal pena que nos custará a vida. Coitados de nós!
Na panela, a pipoca não consegue imaginar a transformação que está sendo preparada para ela, pois o pânico, o medo, a aflição, a perda de sua situação de conforto de ser milho não a permite enxergar adiante, cegando-a de tal maneira que não vislumbra saída para seu problema atual e fatal: o fogo!
Sem imaginar aquilo que ela é capaz, a pipoca se lamenta, pensa no que poderia ter sido diferente, ou naquilo que poderiam ter feito diferente para ela. Se ficar na lamentação, pode condenar-se. Se entregar-se e aceitar os efeitos do fogo, irá surpreender-se!
A narrativa de Rubem Alves segue na íntegra: “Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado”.
O milho, até então satisfeito com o seu “jeito milho de ser”, viu-se uma atrativa e crocante pipoca. Quase se esquece de que, sem o fogo, sem a dor por ele provocada, não se teria revelado seu lado oculto tão atrativo e especial.
Contudo, há quem se feche no problema, há quem prefira ou escolha ficar na lamentação a sofrer momentaneamente os efeitos transformadores do fogo. A situação problema se transforma em problema situação, consequentemente sem solução. O milho que não estoura se transforma em piruá e, milho de pipoca que se recusa a estourar, por sua inutilidade, é rejeitado.
Pessoas que se recusam a mudar sempre estarão sofrendo os efeitos do fogo, externo e interno, com suas angústias, medos, perdas danosas sem superação ou conformidade saudável. Por mais que o fogo esquente, elas continuam se recusando a mudar, talvez por acreditar que seu jeito de ser é o mais adequado, e sua presunção e medo se transformam em uma carapaça cada vez mais impenetrável, impedindo-a de revelar o que de mais belo existe em seu interior.
Serão rejeitadas!
Duros por toda a vida, os piruás não vão se transformar, parafraseando Rubem Alves, “[...] em flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria a ninguém”. É um comportamento egoísta e narcisista, que impede o ser humano de viver sua existência em plenitude, cumprindo seu papel de aprender com a vida, extraindo dela o calor necessário para revelar seu melhor.
Têm sido difícil suportar o fogo de certos dias, mas eu acredito e espero a transformação que ele me trará!

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