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Educação Inclusiva X Educação Especial: Vítimas do mercado ou mercantilizadas por serem vítimas?

Atualizado: 28 de jun. de 2021

Temos acompanhado nos últimos anos, sobretudo na última década, significativas mudanças e inúmeros projetos para a Educação Nacional. Entretanto, muitos de nós diríamos que, por maiores e melhores que sejam tais projetos, no “chão da fábrica” ainda não se viu grandes mudanças!

Muitos modismos têm sido incorporados à Educação e, muitos deles, ao discurso dos docentes que, sem tempo para reflexão acerca do que verbalizam, incorrem reproduzi-los e, formadores de opinião que são, constituem tais informações conhecimento disseminado, mesmo que não façam referência fidedigna à realidade.

Quando em 2004 o governo federal constituiu o slogan “Brasil para todos – crescimento sustentável, emprego e inclusão social”, começaram os discursos acerca da inclusão no país, discursos hoje mais solidificados frente a pesquisas de especialistas que corroboraram com o tema. Contudo, dez anos antes, os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88 governos e 25 organizações internacionais em assembleia em Salamanca, na Espanha, entre os dias 7 e 10 de junho do ano de 1994, reafirmaram o compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de providências para a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino, reendossando a estrutura de ação para a efetivação de uma Educação Especial.

Hoje, dez anos mais tarde – na somatória vinte anos depois de Salamanca, ainda há no país uma deficiência significativa no trato junto a essa população escolar, estando, entretanto, afiados no discurso sem eficácia e sem prática. Há documentos, há diretrizes, há até recursos financeiros. O que questiono, porém, é o modus operandi de tal estrutura.

Esse adjetivo “inclusivo”, enxertado no Sistema Educacional Brasileiro, traz consigo implicações severas na política educacional, uma vez que inserir tal adjetivo atribui significado ao sistema educacional que se pretende inclusivo. A perspectiva brasileira, à luz de Salamanca, propondo a Educação para Todos, responsabilizou o sistema regular de ensino pela oferta da Educação Especial na escola regular, o que implica adaptações significativas e não significativas no conteúdo, abordagens, estruturas e estratégias.

Contudo, questiono-me: quais foram as adaptações efetivamente conduzidas com efetivos resultados para os seus usuários, ou seja, os usuários da Educação na modalidade especial?

A propositura governamental para que houvesse a oferta da Educação Especial na rede regular se justificou sob três prismas:

-A construção de um ensino que atendesse às diferenças individuais – educacional;

-A modificação de atitudes frente à diversidade presente na sociedade – social;

-A redução de custos, já que não haveria mais um gasto significativo com escolas especializadas – econômico.

O discurso nacional e suas justificativas são válidos e, de fato, difundem a ideia de não discriminação educacional pela condição de deficiência. Além do que, sistemas educacionais inclusivos produzem, segundo estudos da Unesco (2011), sociedades menos suscetíveis a conflitos violentos, o que é pretendido por toda nação.

No Brasil, o modelo adotado para esse Sistema Educacional Inclusivo fundamentou-se ainda em dois pilares: na distribuição de renda por meio de benefícios de prestação continuada e na ampliação de matrículas na rede regular para alunos com necessidades educacionais especiais. Ou seja, garantir a vaga e transferir renda para mantê-los no sistema.

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Nesse ponto o questionamento acerca da divergência entre Educação Inclusiva e Educação Especial se manifesta. Alguns poderão dizer que são diferenciados, pois inclusão é acesso e educação especial é ensino. Outros ainda discorrerão acerca de implicações mais aprofundadas correlacionando os termos, mas sem conseguir vinculá-los nesse patamar.

Ocorre, contudo, que o que se discute aqui é justamente outra questão: a questão do SISTEMA. Como muitas realidades brasileiras, a Educação para Todos (inclusiva) no país confundiu-se com a Educação Especial e, em meio a esses discursos conflituosos, perdeu-se o sentido do discurso, não se sabe a lógica discursiva e, tampouco, se as escolas e os docentes brasileiros estão aptos a atuar nessa seara.

Segundo Saviani (2010), sistema é “a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto coerente e operante”. Com base na definição do autor, questionaria ainda a existência de unidade, de intenção e, sobretudo, de coerência e operacionalidade nesse dito sistema educacional inclusivo.

O fenômeno da Exclusão Social possui uma face educacional e, frente a ela, estabeleceu-se uma Educação Inclusiva, pretendendo livrar da exclusão aqueles marginalizados que, sem acesso a educação, ampliariam sua distância do mínimo necessário ao cidadão, conforme prevê a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Pretendendo-se inclusiva, tornou-se especial e, querendo ser especial, parece estar se tornando excludente.

Pode soar forte essa afirmação, contudo, a trago como critério de reflexão e não como imposição discursal. Mas o projeto de um Sistema Educacional Inclusivo, objetivando a ampliação do acesso e da permanência na escola e a redução da repetência e da evasão, pressupõe a seleção de profissionais docentes que estejam aptos ao trabalho com a diversidade e, ao que tudo indica, deixou-se para pensar nisso depois.

Como medida paliativa, o sistema educacional público derrubou suas barreiras e agora o mercado dita regras, pois a educação tornou-se um negócio e, diga-se de passagem, lucrativo!

A ampliação trazida pelo Sistema Educacional Inclusivo expandiu o atendimento ao setor privado, aumentou as ações para o programa não-formal de educação e ampliou a oferta de vagas. Aparentemente tudo muito bom, não fosse a gênese de um mercado “interessante”, onde surgem a cada dia novos produtos no comércio de sistemas de ensino, de propostas curriculares, materiais didáticos, treinamentos e tantos outros “produtos” que nos distanciam daquilo que realmente caberia a nós desenvolver.

Essa estimulação do eixo mercantil não ficou sozinha. Trouxe com ela um estímulo às parcerias público-privadas, com o envolvimento das ONGs em sua vertente assistencial, cumprindo aquilo que o governo deixou de fazê-lo. Agora, a proposta do governo é “assumida” por outros, ou “comprada” pelos estados e municípios por meio de programas que trazem as soluções para nossos problemas.

Essa lógica privatista traz ao Brasil da década de 90 uma série de mecanismos eficientes, mas que ficam centrados num sistema operacional de cunho financeiro e administrativo, envolvendo também a verificação de resultados da ação docente e do rendimento escolar. PAR, PDE, PDEescola, Simec e alguns outros surgem como maravilhas de controle, quase que calando nosso grito por uma revolução no modus operandi desse sistema dito inclusivo.

Um Sistema Educacional Inclusivo não é a oferta de Educação Especial na rede regular e, tampouco, ter acessibilidade nas escolas. Um Sistema Educacional Inclusivo também não pode se confundir com um Sistema Operacional que objetiva tão somente a homogeneização da educação por meio de uma gestão eficiente e transferência de recursos.

As estatísticas podem ser consultadas, não para balizar meu discurso, mas para proporcionar uma análise imparcial por parte do leitor. A oferta pública da Educação Especial no Brasil não cresceu nos últimos cinco anos.

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Uma Educação Inclusiva não se efetiva em números, mas sim em ferramentas para o cidadão que deixa a escola e consegue inserir-se na sociedade minimamente letrada. O que de fato houve foi uma promoção ideológica onde ao menos a sensação de pertencimento tomou conta do país, que inseriu nas escolas as crianças outrora vitimadas pelo preconceito e pela discriminação. Contudo, ao chegar à escola, podemos correr o risco de que caia por terra o ideal inclusivo de Educação para Todos, não somente para os especiais.

Educação para Todos é diferente de Educação Inclusiva, como o é de Educação Especial. Precisamos participar das decisões em nosso país, de modo que saibamos o que estão propondo a nós e oferecendo a nossas crianças.

Me indigna saber e perceber que a confusão em que estamos metidos tem tirado de nós a habilidade para a reflexão, envolvendo-nos num universo mercadológico onde quem tem mais faz mais e, quem não tem, contenta-se com ofertas ditas caridosas e favores incertos.

Compartilho hoje minha angústia frente à não efetivação de um Sistema Educacional Inclusivo em nosso país. Somos vítimas do mercado ou mercantilizados por sermos vítimas?


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SAVIANI, Dermeval. Sistema de Educação: subsídios para a Conferência Nacional de Educação; o impacto das propostas dos movimentos sindicais e sociais na Conferência Nacional de Educação. Curitiba: CNTE, 2010.

UNESCO. Unesco and education: everyone has the rigth to education. Paris, 2011.


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profMárioCosta

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