Essa tal Felicidade
- por Mário Costa
- 17 de ago. de 2015
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2021

Etimologicamente felicidade é uma palavra derivada do latim felicitas, que designava, originalmente, fertilidade, fecundidade, produtividade. Grosso modo, estava vinculada ao estado daquele que dava frutos: fértil, frutuoso, produtivo. Contudo, com o passar dos séculos, o genitivo felix (feliz), passou a indicar alegria, satisfação, afortunamento.
Hoje é considerado feliz aquele que desfruta de um bem estar emocional e sentimental associado, por vezes, a uma ausência de problemas, já que está alegre e satisfeito. Como a Felix Arábia (parte mais fértil da Península Arábica – século VIII a. C., contrária às terras desertas do Oriente Médio), é também ele (o feliz) pessoa que desfruta de um estado de satisfação ímpar, contrapondo aqueles que, diferente dele, não possuem tamanha alegria e satisfação.
Entretanto, a desvirtuação da origem da palavra não caminhou sozinha na história. Seguiu acompanhada de uma desvirtuação de sentido, quando deveria designar, de fato, fecundidade. Como pode ser feliz o improdutivo? Como estar alegre e satisfeito sem ser fértil, fecundo? Há possibilidade de felicidade por simples emoção, que como a poeira se dissipa com um simples assopro?
Fala-se hoje em “momentos de felicidade”, colocando a felicidade quase que como algo impossível de ser conquistado de modo durável, perene e pleno, proporcionando satisfação àquele que dela goza, em equilíbrio físico e psíquico. Fala-se em momentos, pois, no mundo moderno, é quase impossível manter-se equilibrado cem por cento do tempo. Será tal afirmativa uma realidade? Há de se rever o conceito de equilíbrio!
Para os gregos antigos a razão de ser da humanidade era, justamente, uma busca determinada, quase que sistemática por essa tal Felicidade. Em Tales de Mileto (VII a. C.) encontramos a primeira, ou a mais antiga referência à Felicidade, abordada como condição daquele que possui corpo forte e saudável, sorte e uma alma bem formada. Contudo, foi Sócrates (IV a. C.) com a teoria de que o homem é um composto de corpo e alma, que trouxe a discussão da Felicidade com um novo foco, não relacionada à satisfação dos apetites humanos e necessidades materiais. Atual, o pensamento socrático nos convida a refletir sobre a natureza imanente dessa tal Felicidade.
Seria ela uma satisfação do corpo ou da alma? Talvez de ambos!
Faltaria, entretanto, o sonhado equilíbrio, produto escasso no mercado moderno, procurado nas prateleiras de nossas farmácias sobre os mais variados nomes: prozac, rivotril, lexotan, ritalina e quantos tantos puderem ser criados, pois serão vendidos.
A tentativa de ser feliz tem frustrado pessoas nos mais variados segmentos sociais. Digo tentativa, pois, nem todos aqueles que tentam a alcançam e, nem todos que não a alcançam em sua plenitude seguem tranquilos sua jornada. A Felicidade transformada em produto passou a materializar-se em coisas, e as pessoas, ingênuas, passaram a acreditar poder comprá-la.
Não é impossível ser feliz!
A possibilidade reside na revisão dos valores humanos, no equilíbrio daquilo que pede o corpo em detrimento do que clama a alma, e vice versa. Ser feliz é tão possível quanto o nascer do novo dia, quanto a fecundação de uma semente e a produção de um novo ciclo contido no fruto dela originado.
Voltamos à gênese da Felicidade: fecundidade, produtividade, fertilidade.
Para ser fecundo, produtivo e fértil – feliz, basta dar condições ao solo para que produza. O solo da vida exige de nós cuidados básicos que não podem ser deixados de lado. Talvez não sejamos felizes por negligenciarmos nossa estrutura primária, por nos determos nas ferramentas quando, na verdade, o importante é cuidar do solo para que ele não resseque e deixe de possuir os nutrientes necessários à fecundação, à geração da vida.
E assim essa tal Felicidade parece se distanciar de nós. Eu prefiro pensar que somos nós quem nos distanciamos dela, já que são nossas ações que produzem as reações que sofremos e, se essas não nos fazem felizes, talvez sejam elas (as nossas ações) os alvos de mudança, e não a Felicidade considerada um “produto” inalcançável.

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