COMUM-UNIDADE
- por Mário Costa
- 21 de set. de 2015
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2021

Nestes tempos em que a reforma ortográfica nos faz repensar o uso do hífen, faço uso do sinal diacrítico considerando a conotação pretendida para a palavra. Mesmo querendo me referir a comunidade – que no dicionário é o estado do que é comum; paridade; comunhão; identidade, prefiro fazer uso do hífen para reportar-me à necessária comunhão na unidade que as pessoas que vivem em comunidade necessitam ter.
Contrariando o individualismo vigente, a vida em comunidade tem se apresentado como um oásis em meio ao deserto: difícil de achar, mas sonhada por todos. Parafraseando o compositor Caetano Veloso, podemos dizer que, mesmo as “ditas” comunidades, inclusive as religiosas, olhadas de perto não são perfeitas. Não objetamos a perfeição, claro, mas o princípio comum não pode se perder nessa realidade.
Se considerarmos o pensamento do filósofo personalista Emmanuel Mounier, compreendemos a pessoa como alguém cuja existência ganha sentido no momento em que supera o eu egocêntrico e passa a viver um eu comunitário, a serviço do outro, realizando sua vocação: ser no mundo. Ser é diferente de estar. Estar é momentâneo, passageiro, sem vínculo. Ser exige mais do homem, o toma por completo, pois sua existência está intimamente vinculada ao espaço onde vive, às pessoas com quem convive e à natureza onde habita. Esse ser no mundo – escreve Mounier, só se vai construir a partir do momento em que for integrado, em todos os seus elementos constitutivos.
O ser humano, sozinho, não é nada. Sozinhos seríamos apenas pensamento do nosso pensamento e, para descobrirmos a nós mesmos, precisamos nos lançar ao outro, numa relação comum, de doação, de renúncia de si. Desprendida desse ser particular (dela mesma), a pessoa se percebe única e percebe ainda que estar com o outro não a faz ser menos ou mais que ele, simplesmente lhe faz entender quem ela mesma é. É na relação comum que se descobre o unitário, o eu verdadeiro que buscamos de nós mesmos, tarefa impossível de ser alcançada sozinho.
Ao contrário dos animais irracionais e dos vegetais, somente os seres humanos podem estar para o outro, não indo a busca somente daquilo que é necessário para sua sobrevivência física (instinto), mas para descobrir a si mesmo no outro. A primeira experiência da pessoa é por meio do outro, como acontece entre o bebê e a mãe, ainda na gestação. É por meio dela (mãe) que ele (bebê) começa a conhecer sua identidade e, nessa relação, percebe-se um ser comunitário.
Como ainda escreve Mounier, a primeira experiência da pessoa se dá, justamente, na segunda pessoa, ou seja, na relação. O eu (individual) com o tu (o outro), gerando o nós (comunidade). Parece claro (ao menos para mim) que o nós vem antes do eu, já que nos conhecemos por meio desta relação comunitária – o comum no unitário, o eu em meio aos outros, inserido na comunhão-relação.
Por uma natureza meramente material nos excluiríamos uns dos outros, automaticamente, mas unicamente por existirmos, já nos expomos ao outro, e essa exposição trazida por nossa encarnação nos faz seres de comunicação e interação, capacidades eminentemente humanas. Acredito que a felicidade, numa perspectiva personalista, só possa ser alcançada na medida em que haja uma comunhão universal, ou seja, onde a união dos “eus” forme uma comunidade de pessoas – comum unidade. Comum porque partilha, comum porque suporta, porque valoriza o outro, e não só a si mesmo numa relação narcisista e patológica onde o meu espaço deve ser priorizado em detrimento do espaço do outro, como numa relação animal de sobrevivência agressiva, onde o mais forte prevalece sobre o mais fraco.
Viver comum unidade é aprender a ser humano, coexistindo com os outros e com as coisas e, por meio da compreensão delas, compreender a si mesmo. A vida ganha sentido com o outro, portanto, isolar-se nunca foi e nem nunca será uma alternativa que conduz à felicidade e, talvez por isso, a depressão e o isolamento estejam caracterizados pela medicina como patologias.
A construção desse ser comunitário não é tão simples. Mas ele já está em nós, como condição essencial para encontrarmos nossa felicidade, que é encontrar a nós mesmos, por meio da relação com o outro, na construção de uma comunidade humana que supera o individualismo em favor da comunidade, do bem comum.
Nem a minha, nem a sua, mas a nossa Comum-Unidade!

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