SERES ANTROPOBIOPSICOSOCIOCOGNITIVOS
- por Mário Costa
- 28 de set. de 2015
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2021

Esse palavrão foi proferido em uma palestra – diga-se de passagem, maravilhosamente conduzida pela professora Maria Dolores Fortes Alves, pós-doutoranda da PUCSP, referindo-se à complexidade humana e o desejo fundante que move o ser humano. Tamanho foi o alcance de tal palavra, não só pela sua extensão gráfica, mas pela motivação que causou em mim para buscar algumas leituras que complementassem meu entendimento acerca de tal conceito. As leituras trouxeram consigo a revisão de alguns conceitos, o fortalecimento de alguns outros e originaram a redação desse breve comentário que, mesmo não conseguindo traduzir tudo o que desde aquele dia venho refletindo, procurarei sintetizar nas linhas desse texto.
Por mais que seja sabido de todos nós, a complexidade humana ainda nos surpreende a cada nova pesquisa, a cada nova descoberta científica, a cada nova ação humana – mesmo que estranha. Um ser antrobiopsicosociocognitivo faz referência a um ser multifacetado, ou seja, detentor de várias facetas, cada uma delas provenientes de nossa construção histórica no mundo.
A nossa constituição antropológica, designada pelo prefixo antropo da palavra em destaque, está relacionada ao universo cultural onde vivemos, aos valores que recebemos no e do ambiente onde fomos criados. Muito do que somos advém do lócus onde habitamos, daí ouvirmos, não poucas vezes, frases como “fulano é um ser viajado”, querendo referir-se a ele como alguém que, por conhecer várias culturas, possui um entendimento mais completo e complexo do mundo.
O contexto biopsico faz menção à nossa estrutura biológica e psicológica. Todo ser humano possui uma estrutura biológica que o possibilita fazer sua experiência no mundo, por meio de um corpo físico, corpo esse que exige cuidados para que se mantenha em condições de sobreviver às intempéries que a vida apresenta e, junto a ele, uma estrutura igualmente importante, que é a psique humana. Nossa estrutura psicológica nos permite sentir e manifestar diferentes sentimentos, valorar nossas ações e emoções, fazermos nossas escolhas e nos diferenciarmos dos demais seres que povoam o universo, já que somos seres racionais e de linguagem.
Construtores de cultura, donos de um corpo físico e de uma estrutura psíquica, o ser antrobiopsicosociocognitivo é um ser social, por isso a palavra sócio compõe o palavrão que discutimos. Animal gregário que é – parafraseando Aristóteles, o homem vive em coletividade e, por meio dela, constrói relações que fazem dele alguém que pode aprender, por isso, um ser cognitivo. Em meio ao coletivo, aprender e ensinar confere ao homem características especificamente humanas, pois é o único ser capaz de transformar a realidade e o mundo em função de suas necessidades.
Infelizmente, ao contrário do que revela nossa essência antrobiopsicosociocognitiva, temos valorizado pouco nossa cultura, nos perdido em antivalores, depreciado nosso corpo – veículo de interação com o mundo, sacrificado nossa estrutura psicológica – fazendo mal à nossa saúde mental, nos isolando cada dia mais e caindo em um vazio existencial profundo que nos impede de aprender com as coisas mais simples da vida, como o nascer do sol, o sorriso amigo, um abraço silencioso, o pão na mesa e o suor derramado no trabalho.
Acredito que a evolução e a descoberta de nossa complexidade tenham se convertido – para alguns, em involução, no momento em que, estando diante de si mesmo e, frente ao assombro que tal complexidade traz, nos amedrontamos diante do desafio da vida e acabamos nos furtando a ela (à vida), tirando de nós mesmos a beleza que nossa complexidade traz em si. Não posso crer que seja difícil viver, tampouco penso que seja tão difícil nos compreendermos. Antes, sou conduzido ao pensamento de que é, justamente por sermos complexos, que precisamos uns dos outros para fazermos com que nossa existência ganhe sentido e nos traga felicidade.
Em um momento em que as doenças da alma e da mente têm ganhado espaço nos ambientes sociais, que as produções culturais têm se demonstrado a cada dia mais sofríveis e rasas, num cenário onde ensinar e aprender não coexistem – já que parecemos não estar abertos ao outro, o ser antrobiopsicosociocognitivo precisa deixar de ser um palavrão para refletir a maravilha que é ser simplesmente humano.

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