A REFORMA INTERIOR
- por Mário Costa
- 27 de out. de 2015
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2021

O filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant, fundador da filosofia crítica, escreveu algo que sempre me intrigou a leitura, por abordar, justamente, uma perspectiva acerca da evolução humana em busca do melhor. Talvez o leitor é que se intrigue em perceber que me causa estranheza um pensamento sobre a evolução humana em busca do melhor, mas digo isto devido à dificuldade que percebo em nós humanos em mudarmos.
Discutir o que é melhor ou pior é algo bastante complexo, já que o adjetivo é atribuído pelo sujeito, conforme suas preferências e avaliação que, por serem subjetivas, variam de pessoa para pessoa. Portanto, o que pode parecer bom para mim não o será, necessariamente, para você e vice-versa e, talvez seja nesse ponto que resida minha inquietação frente ao pensamento kantiano.
Literalmente o filósofo escreve: “Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço”. É evidente, ao menos do ponto de vista sintático, que para que haja uma reforma e, para que essa reforma seja em prol de uma melhoria naquilo que está necessitado de correção, é preciso boa dose de esforço. Contudo, também a avaliação daquilo que exige mudança, reparo ou reforma – chamem como quiser, revela traços complexos de serem avaliados, uma vez que, nem todos, avaliam igualmente as necessidades de mudanças.
Mas o filósofo não se refere a reformas de coisas, prédios ou estruturas materiais de qualquer natureza. Ao contrário, sobrepondo qualquer forma de existência irracional, refere-se a uma reforma interior, expressão maior que somente quem possui racionalidade pode desenvolver. Ou seja, somente o homem, baluarte da criação divina, traz consigo em sua estrutura fundante o privilégio de pensar, e é pelo pensar que ele consegue mudar, sendo dependente exclusivamente da aplicação do seu próprio esforço.
Ouvir muitos lamentando o que esse ou aquele disse ou deixou de dizer, fez ou deixou de fazer, e justificando suas impotências e imbecilidades sempre apontando o outro como culpado demonstra a incapacidade de reformar-se interiormente, por meio do pensamento ordenado, para melhor. Ninguém nos faz aquilo que não tenhamos permitido. Se nos ofenderam é porque nos sentimos ofendidos, se nos magoaram é porque nos sentimos magoados, se nos difamaram é porque nos sentimos difamados, entretanto, é no nosso interior que a ofensa, a mágoa e a difamação ganham sentido.
Acredito que a reforma interior seja uma emergência, e ela talvez não se dê com maior eficácia e em maior volume justamente por estar em falta em nós humanos o ingrediente primordial mencionado por Kant: “aplicação do nosso próprio esforço”. Tornamo-nos uma geração de narcisistas, egoístas, centrados em nós mesmos, desejosos de aplausos, melindrosos com qualquer posicionamento que nos contrarie em nosso modo de ver e perceber o mundo. Uma geração de aduladores de projetos que sequer são os nossos e, pior, reverberando um brilho que sequer possuímos.
É urgente uma reforma interior! Mais que qualquer reforma exterior, a sociedade necessita voltar-se para si mesma, num processo de anamnese no sentido grego, recordando suas verdades intrínsecas. Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Qual o sentido da minha vida? Essas e tantas outras perguntas existenciais precisam de respostas, mas respostas mais aprofundadas acerca de nós mesmos, ao ponto de nos conferir sentido e plenitude para querer estar vivo.
Reforma dá trabalho, sobretudo quando se está no ambiente em que ocorre a obra (dentro de nós mesmos). Por isso o pensamento intrigante do filósofo nos alerta que é preciso uma aplicação determinada de nosso próprio esforço, para pararmos de achar culpados e sermos felizes sabendo e sendo quem somos!

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