Muito tenho lido e ouvido sobre a crise nacional em que se encontra a saúde pública (não de hoje) e, diante de tantos apontamentos, busca por culpados, surgimento de “mocinhos” que se julgam defensores da causa comum e ainda aqueles despreparados “comentaristas de várzea” que usam as redes sociais para manifestarem seu posicionamento (por vezes medíocres) sobre o modo como enxergam a crise, esbocei esse comentário, não como fonte de um pensamento absoluto, mas com a única finalidade de promover reflexão sobre o como estamos exercendo nossa cidadania.
Infelizmente, como é estampada na limitada visão da grande maioria, a situação de crise não pode ser jogada sobre os ombros desse ou daquele, já que, como sociedade democrática que somos (ou deveríamos ser), caberia a cada um de nós o acompanhamento da administração pública, não só nesses momentos em que o caos se instaura. Contudo, ficamos em nossa zona de conforto até que, quando o problema chega próximo a nós, aí sim, nos indignamos e verbalizamos frases moralistas como se fôssemos cidadãos exemplares em nossa participação social.
Será que nos damos conta que no momento em que a crise chega até nós, ficando assim evidenciada, é tão somente o momento em que se torna pública a ingerência com que, há muito tempo, se vem tratando a saúde no país? Ou seja, há tempos estamos vivendo uma crise DE saúde, e não DA saúde. Sim, DE saúde, pois a saúde moral dos cidadãos brasileiros está na UTI há centenas de anos, desde quando se instaurou no solo tupiniquim a "política do jeitinho", da corrupção, da manutenção do direito particular em detrimento do direito público.
O cidadão mais abastado, tendo recurso e acesso aos bens e serviços essenciais privatizados age como se não fosse cidadão comum, e sua preocupação com o serviço essencial público é quase nula. Os que não gozam desse poder aquisitivo e acesso a tais bens, se possuem algum “contato” político, apelam para o "jeitinho", furando uma fila aqui, uma lista de espera ali, como se fosse um cidadão acima das regras pelo seu apadrinhamento. E assim, a grande massa, que é quem de fato mantém o país com seu trabalho digno e mal remunerado (porque não dizer, explorado), vai ficando refém da carestia desses bens públicos essenciais, como é a saúde, a educação, a habitação, o saneamento, o lazer, a cultura e tantos outros.
Culpar o Estado não resolve. Alguns até o tentam fazendo com que o Estado seja materializado na pessoa de seu governante, diga-se de passagem, eleito pela escolha popular. Mas tal ação não procede, pois o Estado não é uma pessoa, não é o governante eleito pelo povo. O Estado somos cada um de nós que fazemos parte desse estado democrático de direito e, por meio do voto popular, escolhemos periodicamente nossos representantes. O que ocorre, entretanto, é que, ao escolhermos um representante, acabamos nos isentando da responsabilidade de participar do governo por eles efetivado e, quando o caos chega até nós, como se nada tivéssemos com isso, começa a caça às bruxas, e nos tornamos, mais uma vez, manipulados pelas politicagens de pessoas e grupos que, na situação de calamidade, conseguem, em sua crise DE saúde (mental), serem tão oportunistas ao ponto de pensarem no quanto a crise pode lhes ser lucrativa.
É sofrível perceber ações vazias, isoladas em seu contexto político, social e filosófico. Propostas de solução fadadas ao fracasso, já que em nada contribuirão concretamente na solução dessa crise DE saúde que se reflete na crise DA saúde. Gritar nos microfones, promover caça às bruxas (como se houvesse UM culpado), sair em passeatas, escrever notas sensacionalistas e outras ações correlatas são, em meu entendimento, válidas se tão somente vierem acompanhadas de propostas condizentes e possíveis de efetivação.
É sofrível perceber que, em meio ao caos, ainda há aqueles que fazem uso da crise para fortalecer suas aspirações politiqueiras, jogando a inteligência de uma população no vazio, subestimando-os como se fossem seres que não pensam. Esse texto, longe de ser uma nota partidária, pretende auxiliar uma reflexão imparcial, apartidária e isenta de qualquer direcionamento.
Muito me preocupa a crise DA saúde, mas ainda mais, preocupa-me a crise DE saúde em que se encontra inserida a sociedade brasileira que deixou de pensar, de ser produtora de conhecimento e pensamento, para ser reprodutora de ideias vazias e sem fundamentação. Medidas simples podem ser pensadas e propostas por qualquer cidadão de bem, e poderiam amenizar nossa situação emergencial até que, com consciência, o povo brasileiro assuma o controle desse país, por meio da participação popular e do controle social que só pode ser conseguido na gestão democrático-participativa, que não é eleger e “deixar lá”, mas estar lá, governando ao lado do eleito, inserido nos conselhos, nas organizações não governamentais, influenciando na tomada de decisão defendendo seu ponto de vista sobre a aplicação e a gerência dos recursos aplicados, já que eles (os recursos) saem do bolso do povo brasileiro e devem ser aplicados conforme seu desejo e necessidades.
Hoje, se as máfias e cartéis fossem sufocados pela participação popular e cada cidadão contribuísse com o mínimo, certamente teríamos, todos os meses, os recursos que nos foram roubados para atender essa necessidade emergencial. Não se trata de pagar (de novo) a conta que o banditismo nos deixou, trata-se de não deixar, sobretudo aqueles mais carentes, morrerem nas filas e bancos (onde ainda os têm), sem a dignidade de ter seu direito à saúde atendido.
Onde estão os gestos concretos de quem se diz cidadão preocupado? Onde estão as igrejas e seus fieis? Pensando em seus templos? Onde estão as empresas? Pensando em sua crise? Onde estão nossos políticos? Atrás de suas mesas, em seus gabinetes e tribunas? Onde estamos nós, cidadãos comuns vitimados por essa crise? Em nossas casas, dependendo de favores ao invés de termos garantidos nossos direitos?
É passada a hora de sair desse comodismo e fazer algo concreto. Não acredito que isso seja responsabilidade somente de quem está formalmente no governo, já que, numa sociedade democrática, o governo é de todos nós.
Não deixemos que essa crise DE saúde afete nossa população, sobretudo não permitindo que agrave essa crise DA saúde!
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