Quando me coloquei a escrever esse post, a ideia para o título inicial era “sobre a morte”.
Mas intitulá-lo assim pareceu desagradável ou, no mínimo, inadequado. Um título mais poético agradou mais, mesmo que o conteúdo ainda trouxesse a morte como protagonista.
Como várias das publicações que trago para o blog, essa também vem motivada por uma vivência pessoal: o luto pela perda de um amigo.
Diante de um sentimento tão difícil de viver, a cabeça parece acelerar e a emoção se vê confundida pelas sensações mais díspares possíveis. As lembranças parecem surgir dos recônditos mais profundos da memória, numa velocidade maluca, fazendo a mente refletir sobre cada vivência armazenada. Os lugares, cheiros, cores e pessoas ativam memórias que, conscientemente, haviam se perdido em nosso arquivo cerebral.
Entretanto, maior que qualquer lembrança ou emoção, parece ser a tentativa (frustrada) de racionalizar a morte.
Apesar de ser nossa única certeza, a morte não é uma perda reversível. Ela é um ponto final, não uma vírgula.
Mesmo que o discurso religioso (em suas diferentes vertentes) traga a proposta de vida eterna ao lado de Deus, ou ainda proponha um reencontro no plano espiritual, ou ainda uma nova vida reencarnada, o enlutado não consegue digerir a partida do ente querido e esperar esse futuro reencontro.
A mim ainda incomodam frases como “ele está melhor do que nós!” ou “para ele acabaram os problemas e dores temporais!”, ou ainda, “cumpriu sua missão!”.
Não sabemos o que há do “lado de lá”. Tudo é incerto. Essas verdades religiosas têm valor para aqueles que nelas creem e, mesmo tendo fé, as próprias verdades religiosas apontam certa dose de incoerência ou inconformidade quando colocadas à prova de nossa incredulidade momentânea decorrente do luto.
Como acreditar que Deus precise de alguém no céu? Que necessidades pode ter Deus? Um ser onipotente, onisciente e onipresente precisaria de uma alma humana ao seu lado?
Como acreditar que alguém se vá depois de cumprir sua missão? Que missão é essa? Seria a morte um momento pré-determinado, já que há uma missão a cumprir?
Como aceitar que chegou a hora de partir? Como lidar com as condições da “partida” – às vezes tão violentas e dolorosas?
Poderia listar uma série de questionamentos que me faço e, embora tentem me catequizar, permaneço com uma única certeza: a de que a vida é um mistério insondável e, quando o mistério “bate à nossa porta”, sobretudo na hora do adeus perpétuo a alguém que amamos, nossas reflexões nos fazem revisar todas as nossas certezas.
Não acredito que questionar seja ruim ou um afronto à onipotência divina. Como seres pensantes, acredito que estamos aqui – na Terra, com o objetivo de sermos felizes e buscarmos sentido para nossa existência, até porque é a única vida que temos. A outra vida – se é que existe, não nos pertence (pelo menos não agora).
Talvez o segredo dessa existência seja buscar ser gente de verdade. Aproveitar cada oportunidade para SER, não somente existir. Viver a nossa humanidade com a clareza de quem se sabe finito, limitado, pequeno. A grandeza está em reconhecer-se nada, não no sentido de miséria ou mesmo como juízo de valor. Mas um nada diante do tudo. Uma gota diante do oceano.
Saber que não é possível conhecer ou saber “A Verdade Absoluta” faz com que nossos discursos sejam calados. Que nossos conselhos se resumam a um abraço, ou mesmo a um olhar. Nada conforta diante do fim. Nenhuma “verdade” é suficiente. Até a fé se abala.
A vida não tem fim de novela, e o fim da novela não é o fim da vida!
A mãe enlutada traz em si o vazio daquele que, saído dela, não mais a afagará. O filho depositado inerte naquela gaveta da sepultura nunca mais colocará os olhos ou tocará as rugas no rosto daquela que mais o amou.
A vivência do luto é importante, sobretudo quando nos faz (re)pensar a vida. Mas não me venha dizer que é a morte a melhor maneira de fazer pensar a vida, pois a dor de sentir-se vazio e sem sentido não é como a dor de cabeça, que depois de superada, te permite pensar novamente. A dor da perda é perpétua, pois e estabelece um NUNCA absoluto. Um nunca mais.
Recém nascido, criança, jovem, adolescente, adulto ou idoso...
Cronologicamente pode-se tentar ordenar o momento do adeus. Mas, seja em que idade for, a vida sempre será breve. Sempre caberá mais tempo à existência. Que brevidade essa vida!
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